Entre o Cervo e a Cruz: Superstições de Páscoa na Inglaterra, Escócia e País de Gales
- Cain Mireen
- 18 de abr.
- 4 min de leitura
Entre o Cervo e a Cruz: Superstições de Páscoa na Inglaterra, Escócia e País de Gales
A Páscoa, para muitos, é o ápice da fé cristã — a celebração da ressurreição de Cristo. Mas nas ilhas ancestrais da Grã-Bretanha, o ciclo pascal carrega muito mais do que doutrina. Ele se entrelaça com o ritmo das estações, com os presságios do céu e da terra, com as lembranças de antigas divindades da fertilidade, do sol e do renascimento.
Na Inglaterra, na Escócia e no País de Gales, a Semana Santa é também um tempo de crendices sutis, ritos populares e superstições folclóricas — alguns claramente cristianizados, outros enraizados em cultos antigos, muitas vezes de origem pagã. O resultado é uma tapeçaria viva de crenças que atravessam gerações e guardam uma visão de mundo encantada, onde cada gesto tem poder e cada dia tem espírito.
Sexta-feira Santa: o dia que o tempo não se move
A Sexta-feira Santa era (e é) considerada um dia “fora do tempo”, onde a morte paira sobre o mundo e tudo se silencia. Na tradição popular inglesa, dizia-se que nenhuma atividade deveria ser feita neste dia: não se lavava roupa, não se costurava, não se assobiava, não se cortava cabelo ou unhas. Cortar algo neste dia podia significar cortar a própria sorte.
Uma superstição curiosa dizia que pães assados na Sexta-feira Santa nunca emboloravam. Eram guardados o ano todo, como relíquias sagradas, e usados para curar doenças, proteger casas de incêndios e até acalmar mares agitados. Fragmentos desses pães podiam ser mergulhados em leite morno e dados a doentes — uma espécie de sacramento doméstico.

Também era comum cravar pregos de ferro na soleira da porta ou guardar pregos de madeira retirados de cruzes — acreditando que essas ações protegiam contra feitiçaria ou infortúnio.
Na Escócia, muitos pescadores recusavam-se a ir ao mar na Sexta-feira Santa. Acreditava-se que o mar “tomava de volta” o que era seu nesse dia, e que qualquer um que se arriscasse poderia nunca retornar. O silêncio era visto como sinal de respeito e proteção: crianças eram ensinadas a falar baixo, e até o som dos sinos era silenciado.
Sábado de Aleluia: expulsar o mal, limpar o espírito
O Sábado de Aleluia era um dia de transição — entre o luto e a esperança, entre a cruz e a ressurreição. Por isso, tornou-se um dia poderoso para purificações e ritos de expulsão.
No País de Gales, era comum o costume de “bater em Judas” — espantalhos ou bonecos representando o traidor eram arrastados pelas ruas, apedrejados, surrados com varas e por fim queimados. Essa prática não era apenas um teatro religioso, mas uma verdadeira limpeza mágica da comunidade, uma forma de expulsar o mal acumulado do ano.
Na Inglaterra rural, esse dia era dedicado a limpezas espirituais e materiais: as casas eram esfregadas com ervas sagradas, especialmente alecrim e arruda, e as lareiras apagadas e reacendidas com fogo novo no domingo. A água de fontes e poços era colhida antes do amanhecer, considerada água santa da terra, capaz de curar e proteger.
Em algumas regiões escocesas, acreditava-se que a alma dos mortos se movia entre os mundos nesse sábado silencioso, e por isso, velas eram acesas nas janelas para guiá-los — ou mantê-los afastados.
Domingo de Páscoa: o sol dança, os ovos rolam, e a Terra respira
No Domingo de Páscoa, antes do sol nascer, as pessoas se reuniam em colinas ou campos abertos para observar o “Sol dançar” — uma antiga crença que dizia que o sol, em honra à ressurreição, brilhava com um fulgor especial ou se movia levemente no céu, como se celebrasse.
Esse costume, apesar de envolto em cristianismo, tem origens mais antigas: está ligado a rituais de solstício e equinócio, e às divindades solares da tradição celta e anglo-saxônica. O sol da Páscoa era símbolo de renascimento, mas também de fertilidade, prosperidade e boa colheita.
Outra prática curiosa era rolar ovos pintados por colinas — o que hoje sobrevive como brincadeira infantil, tinha antes um caráter simbólico e ritualístico. Representava a pedra que rolou do túmulo de Cristo, mas também o retorno da fertilidade à terra, o ciclo do ano que recomeça.
Na Escócia e no País de Gales, os ovos eram cozidos com cascas de cebola, urtigas ou flores silvestres, dando-lhes cores naturais. Após a refeição, as cascas eram enterradas nos campos como oferenda para garantir a fertilidade do solo.
Em algumas vilas inglesas, acreditava-se que o primeiro animal avistado no domingo indicava o destino do ano: ver um cordeiro era sinal de bênçãos; uma raposa, de traições; um corvo, de luto.

A Páscoa como espelho de um mundo encantado
As superstições de Páscoa no mundo britânico mostram como o sagrado e o folclórico coexistem. Por trás dos dogmas e das celebrações, há sempre uma camada de memória coletiva ancestral — onde o Cristo solar, o cervo branco dos bosques e os espíritos da terra caminham lado a lado.
Para os antigos, a Páscoa não era apenas um evento religioso, mas um portal de passagem entre a morte e a vida, entre o inverno e a primavera, entre o homem velho e o ser renovado. Era um tempo de deixar para trás a escuridão — interna e externa — e abrir-se ao milagre da luz.
Fontes consultadas:
Hutton, Ronald. The Stations of the Sun: A History of the Ritual Year in Britain
Hole, Christina. British Folk Customs
Wood, Juliette. The Celts: Life, Myth, and Art
Green, Marian. A Calendar of Festivals: Traditional Celebrations, Songs, Seasonal Recipes and Things to Make
The Folklore Society Archives (UK)
BBC Archives – Folklore and Superstition Series
Comments